sábado, 1 de fevereiro de 2014

VALE A PENA LER!

São Valentim ou não, eis a questão! (por Manuel Rangel)

Uma prática pedagógica com crianças do jardim de infância (ou de qualquer outro nível), baseada apenas, ou essencialmente, na comemoração de “dias” ou efemérides é, manifestamente, pobre e uma prática pouco adequada. É tornar a educação uma sucessão de acasos, de situações desgarradas, avulsas e fortuitas. É revelador de uma prática inconsistente e ao “sabor dos ventos” (sendo, até, na maior parte das vezes, ao sabor de interesses comerciais, ou de qualquer outra índole, que nada têm de educativos).
Quando essa prática, ainda por cima, se centra na produção de artefactos (pequenos “trabalhinhos” manuais), em geral, estereotipados e todos iguais, ou muito semelhantes, alusivos a esses mesmos dias ou efemérides, mais vazia, desinteressante e até deseducativa se torna essa situação: o magusto e 20 moldes das mesmas castanhinhas, pintadas de cor semelhante e afixadas na parede; o Natal e 20 Pais Natais iguais, com barrete pintado ou forrado a papel de lustro vermelho e algodão colado na barba, expostos no placard; o Carnaval e 20 máscaras, tiradas do mesmo molde que as crianças decoram — na melhor das hipóteses, a seu gosto… — e assim sucessivamente!
No entanto, é verdade que há momentos em que certos “dias” ou efemérides, quer queiramos quer não, por bons ou maus motivos, e até por influência da prática de outros, se impõem na vida das crianças, nas suas conversas, no seu discurso e, desse modo, acabam por se impor ao educador!
Vem tudo isto a propósito da comemoração (ou não) do Dia de São Valentim, a 14 de fevereiro. Em grande parte, fruto dos ditos interesses comerciais, esta, como outras datas, têm ganho cada vez mais peso na vida das escolas, nos últimos anos.
Festejar ou não este dia no jardim de infância, abordar ou não este tema, eis a questão!
Numa primeira reação, diria, desde logo, que não me parece um tema obrigatório, imprescindível ou sequer muito interessante para tratar no jardim de infância. Não será, portanto, muito grave se se passar ao lado dele, se o tema não for abordado, se o dia for mesmo ignorado. Não perderão as crianças grande coisa, nem tão pouco ficarão com uma lacuna grave na sua formação!
Numa segunda (e mais condescendente) reação, direi que esta questão e a sua abordagem se deverá enquadrar nos princípios que desejavelmente devem orientar a maioria das situações pedagógicas, neste nível educativo. Ou seja:
  1. O tema deve ser abordado (o dia deve ser festejado) apenas:
    • se tiver especial relevância para aquele grupo de crianças, nesse momento (se as crianças têm falado com insistência nesse assunto, se manifestaram explicitamente interesse nisso, se algum outro grupo na escola/jardim de infância está a trabalhar essa questão e o grupo foi contagiado por isso, etc.);
    • se o educador sente no grupo alguma questão, do foro emocional (sobre amizades, relações entre as crianças, etc.), que considere ser oportuno e poder até o grupo beneficiar do tratamento do tema.
  2. Ao tema deve ser dado sempre um enquadramento histórico e social: como surgiu, que factos estão na sua origem (neste caso, lenda de São Valentim) tradições em diferentes locais e em diferentes épocas.
  3. A abordagem do tema e as atividades a propor, como todas as que se promovem no jardim de infância, devem focar-se nos aspetos essenciais do desenvolvimento e aprendizagem das crianças, pelo que:
    • se deve privilegiar o desenvolvimento da expressão e do pensamento próprio e genuíno das crianças: deve propor-se o tema (ou aproveitar o facto de as crianças estarem a conversar sobre ele); auscultar o que as crianças sabem sobre ele; deixar que exprimam as suas ideias, o seu pensamento original sobre as questões levantadas; levar a que confrontem as suas ideias com as dos outros; etc.
    • numa perspetiva de desenvolvimento pessoal e social, e dado o tema, o momento pode ser aproveitado para falar sobre as relações pessoais, sobre a amizade e sobre o próprio amor (sobre os diferentes tipos de amor: amor paternal/maternal, filial, fraternal, entre casal, tomando o exemplo dos pais…) sem preconceitos, seguindo, fundamentalmente, o nível de aprofundamento dado pelo próprio interesse das crianças;
    • as atividades a propor noutros domínios, nomeadamente, na expressão plástica ou noutros domínios das expressões, devem também privilegiar a expressão própria e original da criança, bem como a sua criatividade e as aprendizagens que fazem no decurso desse processo.
Comemorar um “dia” ou festejar uma data deve, pois, ser um momento mais, com sentido, que se enquadre na “vida” daquele grupo e, consequentemente, no desenvolvimento e aprendizagem daquelas crianças.
Manuel Rangel – mestrado em Supervisão, pela Universidade de Aveiro. É professor e diretor pedagógico da Escola Tangerina, Educação e Ensino - Porto.

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